Wednesday, March 20, 2013

BRAZIL, A RACIAL PARADISE?/ BRASIL, UM PARAÍSO RACIAL?



O video acima é parte do documentário: Negros na América Latina, uma série de quatro episódios  sobre a influência da decendência Africana na América Latina. Esta é a décima primeira produção do renomado acadêmico de Harvard Henry Louis Gates Jr., professor, escritor,crítico literário, editor e intelectual público. Ele já recebeu vários títulos honoríficos e prêmios por seu ensino, pesquisa e desenvolvimento de instituições acadêmicas por estudar a cultura negra.  Em sua viagem pelos países da América Latina, o professor Gates, descobre, por trás de um legado comum de colonialismo e escravidão, histórias vivas e as pessoas marcadas por raízes africanas. No Brasil,
o professor Gates, mergulha por trás da fachada do Carnaval para descobrir como essa "nação arco-íris" está acordando para o seu legado como a mais larga economia escrava do mundo. 

Para quem não entende inglês, eu fiz abaixo uma compilação traduzida do video, com algumas informações que achei importante adicionar ao texto e claro, alguns comentários. 
        

Entre 1502 e 1867, foram importados 4,8 milhões de escravos da Africa para o Brasil. Destes, um milhão e meio chegaram à Bahia e trouxeram consigo sua religião, seus deuses, costumes e sua música. Por isto, ainda nos dias de hoje, estar aí na Bahia é como estar intimamente relacionado com a África. Hoje os 75 milhões de decendentes destes escravos africanos, fazem do Brasil, o país com a segunda maior população negra no mundo depois da Nigéria.

Como também o país das contradições, o Brasil foi o último país no hemisfério ocidental a abolir os escravos mas, por outro lado, o primeiro a afirmar que é livre do racismo e proclamar orgulhoso sua democracia racial.

Nos Estados Unidos, a pessoa com qualquer descendente africano é oficialmente  considerada negra. No Brasil, a cor da pele é o que define, ou seja, dentro de um arco íris de tonalidades a pessoa é morena clara, morena, cabocla, mulata, negra e por ai afora. A longa herança desta mistura racial no Brasil vem das raízes profundas da escravidão.


Há 500 anos atrás os portugueses importaram açúcar para o Brasil e também os escravos para trabalharem nas plantações de cana de açúcar as quais, fizeram do Brasil a maior economia de açúcar no mundo.

Foi deportado para o Brasil um número de escravos dez vezes maior do que para os outros países. Portugal controlava muitos dos portos e firmavam um tipo de acordo comercial com líderes tribais que se responsabilizavam pela obtenção de escravos. Além disto, a viagem para o Brasil era mais curta do que para o Caribe e/ou Estados Unidos e finalmente, para manter a enorme economia do açúcar, os portugueses precisavam de um maior número de escravos. Com o baixo custo e acesso fácil às origens da produção de escravos, estes no Brasil, eram dramáticamente mal tratados, pela fácil e barata substituição. Diferente dos Estados Unidos, aonde este acesso era difícil. Lá eles tinham melhores roupas, casas, alimentação e as instituições de escravos eram promovidas. 



A escravidão trouxe aos portugueses enorme riqueza e fez de Salvador uma das maiores capitais mundiais do Novo Mundo. A riqueza era tanta que ao construirem as igrejas barrocas, ostentavam esta riqueza, revestindo com ouro seus altares e estátuas de santos. Uma maneira bem hipócrita dos portugueses honrarem a Deus com tanta ostentação e a custo da tortura de escravos.

Igreja e convento de São Francisco. Pelourinho-Salvador
Cansados destas torturas sofridas nas minas de ouro, nas plantações de açucar e café, o escravo africano buscava uma forma de se defender, visto que a eles não se permitia nenhum tipo de arma. Foi na capoeira que ele encontrou a sua forma de se unir, fortalecer e se defender. Conta-se que quando eles estavam treinando, a cavalaria montada veio ver de perto o que faziam, já que os donos dos engenhos não queriam que os negros se organizassem, para evitar qualquer tipo de revolta. Um capoeirista que estava à espreita vigiando, ouviu a cavalaria vindo e para despistar, começou a tocar o berimbau imitando o som que faziam os cavalos (pacatá, pacatá, pacatá) e ir em direção aos outros improvisando uma cantoria como se estivessem dançando o samba. Assim quando a cavalaria chegou, viu a cena, entendeu a situação como que estavam apenas dançando, se divertindo. Foi assim, com o uso do berimbau, que os escravos continuaram, a treinar sua arte marcial.



Nos anos de 1500 e 1600 a escravidão era explorada maiormente para a produção de açucar vindo mais tarde no século XVIII a ser explorada também nas minas de ouro e diamantes em Diamantina-MG. Aqui, os negros que conquistaram ou ganharam sua liberdade, viviam lado a lado com os brancos, morando vizinhos em uma mesma rua com estilos de vida muito parecidos ou na mesma casa, mesmo contrários à aceitação da igreja na época. Uma situação bem diferente da do resto do país e do mundo. A posição geográfica em Diamantina, e o "silêncio" da igreja aí, facilitou muito para este bom convívio, visto que era um local de difícil acesso na época, o que, um pouco, isolava esta população do resto do país, longe de cobranças e descriminações. 

Um excelente exemplo desta situação em Diamantina foi Chica da Silva, escrava, que manteve, abertamente na sociedade, durante mais de quinze anos uma união consensual estável com o rico contratador dos diamantes José  Fernandes de Oliveira, quem deu a ela alforria, apenas tres meses depois de possuí-la como escrava. Ela teve com ele treze filhos e os educou como os brancos eram educados na época.Todos foram registrados no batismo como sendo filhos de João Fernandes, ato incomum na época quando os filhos bastardos de homens brancos e escravas eram registrados sem o nome do pai.Com a morte de João Fernandes, Chica da Silva se tornou a mulher mais rica de Diamantina.

Mas hoje no Brasil, se pergunta se "black"(o negro) is beautiful (é bonito ) ? Dora Alves, ativista e cabeleleira em Belo Horizonte, diz que muitas mulheres, entre elas mães chegam à seu salão pedindo para dar um "jeito"de consertar o cabelo delas ou se suas meninas alisando. A maioria deprimida, com muita baixa autoestima, se sentindo feias com seus cabelos "sarará". Ela acredita que esta situação no Brasil, além devido à própria história é consequência também da mídia, aonde a beleza é, na sua maioria, representada por mulheres brancas, morenas com os cabelos lisos. As negras então, alisam os cabelos para se ajustarem aos ideais de beleza das sociedades brasileiras.

Depois de finalmente abolida a escravatura (1888), o problema passou a ser como lidar com toda esta população de cor. Os intelectuais da época acreditavam que o Brasil para conquistar a posição de país civilizado, deveria passar por um processo de "embranquecimento" da população. Para sanar o problema, o país investiu na imigração de europeus. O Brasil pagou a vinda de mais de quatro milhões de europeus para  o chamado processo de embranquecimento. O Governo acreditava que com o tempo, a "cara" do brasileiro iria clareando e seus costumes, mudando. Assim, para forçar o processo, passou a perseguir e a proibir os costumes e práticas da cultura negra como camdomblé, capoeira, etc tentando convencer à população que estes, eram costumes bárbaros. A novela Lado a Lado da Rede Globo, retratou muito bem este episódio.

Porém, no meio de tudo isto, uma voz  protestava contra este fluxo imigratório de trabalhores estrangeiros, enfatizando o grande papel da raça negra no processo de civilização do país. Esta era a voz do historiador, artista, sindicalista e ativista negro, Manoel Querino. Uma voz enfatizando que o país já havia sido civilizado pelos negros. Uma voz dissonante junto àqueles que acreditavam que os negros que vieram ao Brasil como escravos, não eram capazes de trabalhos sofisticados e/ou práticas refinadas. Uma voz corajosa que insistia em dizer que a presença negra no Brasil foi fundamental para a formação de sua identidade sócio cultural. Assim ele escreveu: "Quem quer que releia a história verá como se formou a nação, que só tem glória no africano que importou". Querino morreu em 1923 quando suas idéias ainda eram ignoradas.


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Gilberto Freyre quando jovem


Não muito longe dalí de Salvador, anos mais tarde, uma outra pessoa no Pernambuco, começava a soar o mesmo tom de voz de Manoel Querino, em relação à influência negra na formação da cultura brasileira, o jovem sociólogo e antropólogo, intelectual público Gilberto Freyre. 
Ele colocava o homem português, que veio para colonizar o Brasil, no mesmo nível do escravo, dizendo que o Brasil apenas veio a ser Brasil a partir do momento em que a miscigenação da cultura africana, começa a contribuir para a unidade brasileira. 
Em seu livro Casa Grande & Senzala, ele diz: " Todo brasileiro, mesmo o com a pele mais clara carrega em sua alma, a sombra ou ao menos a marca de nascença de um indio ou de um negro em nossas afeições, excessivas mímicas, nosso catolicismo que delicia os sentidos, nossa música, nosso falar, nossas canções de ninar. Em tudo que há uma sincera expressão de nossas vidas, quase todos nós carregamos a marca desta influência." 

A vida de Gilberto Freyre, após a sua obra Casa Grande & Senzala publicada em 1933, passou a ser um eterno explicar-se. Incansavelmente, repetia que não fora criador do mito da democracia racial e que o fato de seus livros terem reconhecido a intensa miscigenação entre as raças no Brasil não significava decerto a ausência de preconceito ou de discriminação. Em 15/03/1980 numa entrevista  à jornalista Lêda Rivas ele diz: "É muito difícil você encontrar no Brasil [negros] que tenham atingido [uma situação igual à dos brancos em certos aspectos...]. Por quê? Porque o erro é de base. Porque depois que o Brasil fez seu festivo e retórico 13 de maio, quem cuidou da educação do negro? Quem cuidou de integrar esse negro liberto à sociedade brasileira? A Igreja? Era inteiramente ausente. A República? Nada. A nova expressão de poder econômico do Brasil, que sucedia ao poder patriarcal agrário, e que era a urbana industrial? De modo algum. De forma que nós estamos hoje, com descendentes de negros marginalizados, por nós próprios. Marginalizados na sua condição social. 



Zezé Motta,atriz protagonista do filme Chica da Silva, conta que até bem pouco tempo no Brasil, pessoas negras eram consideradas feias, até ela no início dos anos 70, quando foi chamada para fazer o filme, foi considerada feia pelo produtor. Depois do filme ela passou a ser vista como simbolo sexual e foi por causa deste sucesso, que uma revista de nome a convidou para ser a capa, numa época, aonde negros não apareciam em capas de revistas. Uma audácia, que custou a ameaça da perda do emprego do editor que autorizou a publicação da edição da revista, caso ela não se vendesse no mercado. Ela conta que o filme e sua repercução a transformou em uma fervorosa ativista do movimento negro. Quando voltou ao Brasil de suas viagens de promoção do filme, percebeu que haviam muito poucos artistas na mídia brasileira e que o Brasil tinha uma dívida para com o povo negro, uma situação que tinha que ser corrigida e reabilitada para melhorar a sua relação com os negros.
Infelizmente se você olhar para as capas de revistas em qualquer banca de jornal nos dias de hoje com esta percepção, vai enxergarr o mesmo preconceito vivido por Zezé Motta. Da mesma forma, vai perceber que a maioria dos afro-brasileiros vivem nas periferias, em bairros pobres. 

MV Bill, um famoso rapper do Brasil, morador da Cidade de Deus no Rio de Janeiro, comenta que mesmo lá, aonde a maioria é negra, a pequena minoria de pessoas de pele clara, tem melhores oportunidades na vida... e completa: " no Brasil não é permitido falar do assunto.Temos que viver em uma democracia racial que não existe, sem nenhuma igualdade". Quando lhe perguntam porque o Brasil é tão racista, ele diz algo que concordo plenamente: 
" O Brasil foi um dos últimos países do mundo a abolir a escravidão e, desde então, temos vivido sob o mito da democracia racial. Mas esta democracia é exposta como uma mentira quando olhamos para a cor das pessoas que vivem em favelas, a cor das pessoas que estão na prisão, a cor da maioria das pessoas que vivem do crime. Pessoas que dizem que o nosso problema no Brasil é um problema econômico, um problema social, qualquer coisa, exceto racial, que nunca pode ser racial, mas é!"

O Brasil nunca teve a segregação formal, e qualquer forma de racismo oficial foi feita ilegal há 70 anos. No Brasil, racismo é crime inafiançável! Por outro lado também, nunca teve um movimento massivo dos direitos civis. Será que a ilusão da democracia racial impediu esse movimento de desenvolvimento? Foi a democracia racial, nada mais do que uma propaganda oficial, com a intenção de manter os negros em seu lugar?


Abdias Nascimento, escritor, pintor, professor, e uma vez senador, foi o maior ativista e negro intelectual do Brasil. Abdias disse que "a democracia racial no Brasil é uma grande mentira, que o Brasil adora espalhar aos quatro cantos do mundo, uma mentira que é contada desde a época em que o Brasil foi descoberto... os negros sentem na carne, a mentira que é esta democracia racial. Basta olhar nas famílias negras, suas condições de vida...as crianças, como estão sendo educadas...É vergonhoso um país com uma população negra que é a maioria, uma maioria que construiu este país, ser classificada até hoje como cidadão de segunda classe!"

Esperanças para mais profundas mudanças raciais estão em parte, nas universidades. Em 2003 a Universidade do Estado do Rio de Janeiro, foi a primeira instituição educacional no país a introduzir o Brasil à Ação Afirmativa, declarando que 20% de suas vagas seriam destinadas aos negros. Outras universidades seguindo o exemplo, destinaram até 40% de suas vagas para pobres e negros. Porém, esta atitude de reservar vagas para negros ainda causa muita controvérsia no Brasil.

Criticos falam, que ações afirmativas só aumentam o preconceito racial, forçando os brasileiros a confrontar a sua identidade racial em um país aonde a cor da pele deveria ser irrelevante. Por outro lado os apoiantes da causa, dizem que só desta maneira que os negros se farão advogados, médicos, professores em proporção à sua porcentagem da população. E este será o primeiro passo de uma longa caminhada para chegar à igualdade social. 
E você? O que acha? Pode a genética definir quem deve se beneficiar das cotas universitárias e demais ações afirmativas? Leia aqui um estudo super interessante feito pelo Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo sobre o assunto. Com certeza vai te colocar para pensar!

Aqui o link para quem não conseguir acessar acima, copiar: 
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-40142004000100004




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